quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Pr. Alexandre, como você tem certeza do que tem pregado?

Pastor Alexandre Feitosa apresentando seus dois primeiros trabalhos.

A salvação é um ponto chave para muitos cristãos LGBT, especialmente para aqueles que ainda acreditam que sua constituição sexual os privará do reino de Deus. Há alguns dias, fui questionado sobre a certeza de minha salvação, dos escritos deste Blog e dos meus livros. Aproveito este espaço para relatar um pouco do meu testemunho e de que forma chegamos à convicção de que nossa orientação sexual não é impedimento para a salvação.

Nasci na Assembleia de Deus, em uma família tradicional e conservadora, moldada pela cultura patriarcal nordestina e pela rigidez doutrinária típica dos assembleianos mais antigos. Tempo em que ver TV era pecado, mulher usar calça era um absurdo, ser homossexual era uma abominação e gays eram vistos como ameaça aos jovens, crianças e famílias (nesse sentido as coisas não mudaram muito!)

Não foi fácil crescer nesse contexto. Lembro-me do bullying sofrido na escola (do ensino fundamental - séries iniciais - ao médio) e na rua em que morava. Lembro-me dos olhares desconfiados na igreja e da pressão familiar, especialmente de minha mãe que, na infância e na adolescência, praticamente me obrigava a estar na igreja, certamente por perceber a "ameaça" que me sondava. Para alguém que não sabia exatamente o que estava acontecendo (falar sobre homossexualidade na igreja era um tabu ainda maior que hoje), tudo era muito complexo e esconder-se (ou tentar) de si e dos outros era o caminho menos difícil para trilhar. Eu amava aquela igreja (é claro que ainda amo, especialmente os irmãos que me viram crescer, meu antigo pastor, um homem muito usado por Deus e que lamentou muito quando não pude mais congregar ali em virtude da homoafetividade! Sua consciência e submissão aos dogmas eclesiais determinaram minha saída).

Eu era um jovem atuante. Realiza-me ao cantar, ensinar na escola bíblica, atuar e escrever peças. O ano de 2015 marca exatamente os 10 anos de minha saída da Assembleia (embora, em muitos aspectos, ela ainda não tenha saído de mim! Risos. São coisas que fazem parte da nossa identidade). Tudo isso, entretanto, não foi o bastante para anular os efeitos de minha luta interior. Lembro-me de ter enfrentado uma grande instabilidade emocional no fim do ensino médio. Era um misto de tristeza e desânimo. Quase reprovei o 3º ano. Fui aprovado pelo conselho de professores pelo meu bom histórico como aluno. Hoje acredito que enfrentei uma depressão.

A partir de 1997, com o ingresso na Universidade, as verdades sobre minha orientação sexual ficaram mais claras e o anseio pela mudança se intensificou, afinal, era o início da vida adulta e das responsabilidades por ela exigidas, como ter uma formação profissional, um trabalho estável e, claro, um casamento heterossexual como consequência.

Além disso, eu era atormentado pela ideia de não herdar o reino de Deus, de perder a minha salvação por ser homossexual. Foram anos orando e pedindo que Deus mudasse aquela “natureza pecaminosa”. Por que Ele não me ouvia? Eu não escolhera ser assim! Por que seria condenado por algo que não planejei nem escolhi sentir!? Por que a igreja não me enxergava? Por que o assunto era sempre tratado (o que era raro) para me trazer mais sofrimento em vez de minimizá-lo? O texto bíblico que mais me atormentava era 1ª Coríntios 6.9. Eu tinha consciência de que era afeminado. O bullying não era à toa, os apelidos - sempre voltados para o gênero feminino - não eram sem razão. Eu ensinava na escola bíblica que o pecado era fruto de escolha consciente, mas o texto paulino (pelo menos como eu o lia naquela época), falava de um jeito de ser, não de uma prática. Tudo isso me levava a um estado psicológico de profunda perturbação mental. Na verdade eu pensava que, em algum momento, iria enlouquecer. Lembro-me de ter cogitado o suicídio como alternativa para o fim desse tormento. 

Em 2003, à noite, em meu quarto, fiz uma oração diferente ao Senhor. Em vez de pedir a mudança de minha orientação sexual, fiz a Ele uma pergunta.  Meu coração estava muito contrito e quebrantado naquela noite. O sofrimento tem essa virtude. Nele, normalmente, somos mais sensíveis e sinceros diante de Deus. A um coração assim, Ele não resiste (Salmo 51.17). Perguntei a Deus se Ele me amava da forma que eu era, já que a luta por mudança estava me vencendo e minando minha fé e minha esperança. Além disso, o sentimento de culpa invadia minha alma. Passaram-se os dias e me esqueci daquela oração. Deus, porém, não se esqueceu!

Eu tinha o hábito de ler e ouvir louvores antes de dormir. Certa noite, ao ler um livro, fui despertado pela letra de uma canção que tocava naquele momento. Tratava-se do hino Deus Conosco, do grupo Voz da Verdade. Em determinado momento, a letra ressoou diferente, havia poder naquelas palavras:

[Deus] cura os conflitos e as ansiedades, das marcas mais profundas te dá a liberdade... Deus Conosco esteve aqui e sofreu como você, Deus foi um homem [...] e por isso Ele te entende, e TE ACEITA ASSIM COMO TU ÉS, Ele te ajuda, e te perdoa, tá dá uma paz, uma PAZ SEM CULPA...

Imediatamente me lembrei da oração feita dias antes e percebi que, naquelas palavras em forma de canção, havia uma resposta de Deus ao meu clamor! A mensagem da cruz possuía um poder que eu ainda não havia entendido e tomado posse! Naquela noite, dormi como nunca antes! Um fardo pesado saiu de minhas costas, o sentimento de culpa se foi e, pela primeira vez durante anos, senti uma PAZ, uma paz que excedeu o meu entendimento! (Filipenses 4.7). Nenhuma palavra humana foi capaz de produzir em mim um efeito tão terapêutico! Naquela noite, experimentei o que Paulo chama de testificação do Espírito Santo (Romanos 8.16). Senti que era filho de Deus! Mas ainda havia muitas coisas para ocorrer. Aquele foi apenas o início de um lindo processo de cura em minha vida! A Bíblia nos ensina que Deus, Aquele que começa a boa obra, há de completá-la! (Filipenses 1.6)! Aleluia!

Acredito que Deus permitiu que tudo isso acontecesse para que hoje eu pudesse entender o sofrimento dos LGBTs cristãos (e não cristãos também) e, também, entender seu chamado sobre mim, como um instrumento para levar as boas-novas de um Evangelho que não faz acepção de pessoas.

O encontro com a Teologia Inclusiva foi uma consequência desse processo. A partir de então, passei a orar e a estudar as Escrituras, especialmente os textos usados para condenar a homoafetividade. Sempre tinha o cuidado de pedir que o Espírito não me deixasse enganado. Ter um novo encontro com sua Palavra era indispensável para mim. Em 2003, havia poucos textos disponíveis sobre Teologia Inclusiva. Os poucos que havia não eram muito acessíveis (refiro-me a publicações raras, pouco conhecidas na época), entretanto, o que havia serviu como o primeiro passo para que, 7 anos depois, pudéssemos lançar nosso primeiro livro "Bíblia e Homossexualidade: verdade e mitos."

A cada estudo (regado à oração e temor), o Senhor confirmava em meu coração que Sua Palavra não condena a homoafetividade, que Seu amor não me via segundo minha constituição sexual, mas segundo sua graça.

Essas experiências me fizeram crer que nossas interpretações das Escrituras (confirmadas por muitos teólogos mundo afora) não são um equívoco, mas um instrumento de esclarecimento e libertação para muitos LGBTs que se sentem excluídos do plano de salvação. Graças a Deus, nossa missão tem gerado muitos frutos! É importante salientar que a Teologia Inclusiva não é o centro de nossa pregação. Nosso foco é o Evangelho, o amor de Deus e Sua graça. A TI é apenas um acessório necessário a muitos LGBTs que acreditam que a Bíblia é um livro homofóbico e que estimula o preconceito às minorias sexuais. Isso não é verdade. Homofóbicas são as interpretações tradicionais, fundamentadas em uma leitura literal e superficial das Escrituras.

A liberdade é uma conquista da cruz, incompatível com o cativeiro emocional resultante da pregação religiosa tradicional sobre a homossexualidade:

Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, permaneçam firmes e não se deixem submeter novamente a um jugo de escravidão. Gálatas 5.1



9 comentários:

  1. Meu Deus, como o Senhor é lindo e perfeito nas tuas obras. Eu precisava muito ouvir um testemunho como esse para o meu crescimento espiritual. Deus, Ele nunca nos deixa confundidos e nem perdidos sem respostas! Eu louvo a Deus pela sua vida Pastor Alexandre, pois através dessas palavras , hoje meu coração se sente mais confiante no amor de Deus. Que o Senhor continue te usando de maneira tremenda em nossas vidas! Bjs no seu coração!

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    1. Amém! Obrigado, amada irmã Regina!

      Fico feliz que nosso testemunho tenha sido edificante em sua vida! Esse é o nosso propósito e o chamado de Deus em nossas vidas!

      Beijos!

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    2. pastor é uma satisfação enorme presenciar um fato tao poderoso como seu testemunho...
      Como Deus é poderoso pra fazer de um remnescente se tornar uma grande fonte de transformação...
      tambem tive meus conflitos e hoje acredito que o poder de Jesus não se limita a dogmas religiosos mas alcança o distante com Sua Graça e Amor...

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  2. Postagem ótima !! Sempre tive curiosidade sobre como as coisas teriam ocorrido com você.... Parabéns, Deus é maravilhoso!
    Continue com as postagens, por favor!!

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    1. Obrigado! É uma alegria ter você entre os leitores de nossos artigos!

      Não vamos parar! Ore por nós e por esse ministério!

      Abraços fraternos!

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    2. Bom dia. Alexandre Feitosa.
      Eu tinha esse livro com uma dedicatória q VC tinha feito no livro p mim. Fui assaltado e o ladrão levou meu livro e a minha bíblia. Não consigo achar seu livro para comprar. Desde já agradeço

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  3. Nossa fico feliz sempre tive fe em deus e tenho e sempre soube que ele estava comigo em todos os momentos que deus seja louvado e não vejo a hora de fazer parte de uma igreja que eu sinta paz em buscar o senhor meu deus obrigada pelo testemunho pastor

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  4. Linda postagem pastor! Pastor tenho uma dúvida eu sou da Assembleia de Deus como o senhor foi tenho um namorado,sendo que aqui em minha cidade e região não há igreja inclusiva, o que devo fazer continuo indo com o meu namorado ouvir a mensagem da palavra de DEus na igreja Assembleia de Deus?

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  5. A graça e a paz do senhor, Pastor Alexandre! Há algum tempo venho analisando o seu blog sobre a teologia inclusiva e não nego que tais postagens tem me deixado um tanto curiosa sobre a questão. Eu me chamo Aline, e tenho 22 anos. Sou nova convertida, inclusive é nesse mês que completo 1 ano de batizada. Estou muito feliz por ter aceitado Jesus como único e suficiente Salvador da minha vida. Nesse tempo já vi um mover maravilhoso do Senhor na vida da minha família, em ambos os casos nos dando cura e libertação. Eu lovo ao Senhor por cada pequeno cuidado que tem tido comigo e meus familiares. Porém, há um tormento que tenho carregado no meu coração semelhante ao que você passou em sua mocidade. Eu sou lésbica desde que me entendo por gente, por volta dos meus 6 ou 7 anos já me via encantada por garotas e não por garotos como demanda a sociedade em geral, e isso me fez sofrer muito. Tem vezes que me sinto constrangida com tudo isso, e muito triste também. Já passei por uma imensa depressão por conta da minha homossexualidade e pela misericórdia do Senhor que não me suicidei. Eu congrego em uma Igreja tradicional que é a Batista e que semelhantemente a Assembléia, não aceita a homoafetividade como uma variação do amor humano. Eu me sinto péssima por isso. Não por ir a Igreja, porque adoro estar lá. Os irmãos, as irmãs, obreiros e Pastor são uma maravilha! Realmente abençoados. E me sinto muito bem acolhida lá, mas tem essa questão. As vezes há certas pregações em que eles citam a homossexualidade como uma praga a ser extinta do planeta e fico incrivelmente triste com isso. Eu não sou assumida, mas creio que meus pais desconfiem da minha sexualidade. Também há momentos que fico perturbada com coisas que escuto e ouço. E não nego que fico receosa sobre essa condição. Não duvido do amor de Deus, pois Ele o provou ao enviar o Senhor Jesus por cada um de nós e por uma infinidade de coisas que Ele tem feito e continua fazendo por mim. Mais é como se eu, mesmo sabendo, me sentisse indigna ou uma abominação. Como se estivesse condenada a ser solitária o resto da minha vida. Então eu pergunto.. Será que Deus me condenaria por amar outra mulher? Não digo no sentido da carne, mas nos sentimentos. Será que Ele me condenaria passar a eternidade fora da presença dele por isto? Porque sinceramente eu quero acreditar que não, mas sempre tem "uns" que vem discursando intolerância, ódio, entre outras coisas. Pastor, será que poderia me ajudar? Isso tem me afligido tanto, e por muitos anos. O que Deus realmente abomina em relação a homossexualidade?

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