segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Pronunciamento do Pastor Alexandre Feitosa no Seminário "Religião e Legalidade"

         
          
          A seguir, na íntegra, o nosso pronunciamento no Seminário Religião e Legalidade, promovido pelo Departamento de Pós-Graduação em Sociologia (SOL) da Universidade de Brasília:

         "A igreja inclusiva nasceu há 45 anos, nos Estados Unidos. No Brasil, oficialmente, a Igreja Inclusiva está presente há 11 anos e desde então, o país a um rápido crescimento das denominações que incluem e celebram a diversidade. A nossa participação nesta mesa terá uma relação direta com os direitos dessa comunidade historicamente excluída, não apenas de direitos fundamentais (como o casamento e a adoção) como do âmbito religioso.

        As igrejas inclusivas existem por causa da exclusão. Não se trata de igrejas gays, como muitos erroneamente acreditam, pelo contrário: são igrejas abertas a todos, sem qualquer distinção. Sua pregação está centrada no Evangelho ensinado por Cristo, inclusivo em sua essência. Por meio de uma releitura bíblica, conhecida como Teologia Inclusiva, tais igrejas caminham junto às transformações sociais:

         "A Teologia Inclusiva, como a própria denominação sugere, é um ramo da teologia tradicional voltado para a inclusão, prioritariamente, das categorias socialmente estigmatizadas como os negros, as mulheres e os homossexuais. Seu pilar central encontra-se no amor de Deus pelo homem, amor que, embora eterno e incondicional, foi negado pelo discurso religioso ao longo de vários séculos. A Teologia Inclusiva contempla uma lacuna deixada pelas estruturas religiosas tradicionais do Cristianismo, pois, por meio da Bíblia, compreende que todos os que compõem a diversidade humana, seja ela qual for, têm livre acesso a Deus por meio do sacrifício de Jesus Cristo na cruz. Ao menos na maioria das igrejas cristãs, os negros e as mulheres já desfrutam de um tratamento igualitário, conquistado após séculos de exclusão injusta, aparentemente embasada nas
Escrituras.”

Hoje, ao menos uma categoria da diversidade humana ainda luta pelo direito à inclusão nas variadas estruturas religiosas cristãs no Brasil e no mundo: os homossexuais. A Teologia Inclusiva busca demonstrar, pelas Escrituras Sagradas, que a homossexualidade constitui outro aspecto da alteridade humana, tão natural quanto a cor da pele ou dos olhos, por exemplo. Não constitui, em si, uma nova teologia, mas um aspecto teológico fundamentado na dignidade da pessoa humana, nas necessidades individuais de homens e mulheres e na valoração da identidade de cada ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus".

"As comunidades inclusivas configuram-se como espaços de inserção de gays, bissexuais, lésbicas e transgêneros, promovendo a participação, efetiva e plena, dessa minoria como sujeitos agentes e articuladores da dinâmica corporal da Igreja, com palavra e reconhecimento a partir de suas experiências e histórias, única possibilidade de dar à luz uma teologia adequada às suas realidades existenciais – essa especificidade da Teologia Inclusiva também lhe rendeu a denominação de Teologia Gay. A TI combate a opressão da heterossexualidade compulsória, resultante de ideologias cristalizadas, socialmente aceitas, porém limitadoras de um fazer teológico abrangente e igualitário. Ao restituir aos gays e às lésbicas o status e a consciência de seres transformadores, a TI outorga-lhes o papel de protagonistas de suas vidas. Por meio da apropriação e da releitura das Escrituras, novas perspectivas teológicas são geradas, condizentes com os princípios bíblicos e compatíveis com a identidade, com os anseios e com o papel social dos cristãos homossexuais.”

“A TI deve fornecer as bases que direcionem e revelem um caminho seguro para os cristãos homossexuais. Sua importância suplanta os aspectos puramente religiosos, indo muito além: desconstrói doutrinas excludentes e constrói possibilidades reais de vivenciar a afetividade e a sexualidade; resgata a dignidade roubada durante séculos e abre a porta da verdadeira liberdade em Cristo, possibilitando, assim, o experimentar da plenitude da existência humana; eleva a autoestima por meio do ver-se e sentir-se obra-prima de Deus; promove a autoaceitação, dirimindo as culpas e a autocondenação, tão nocivas e destrutivas; restitui aos cristãos LGBT o integrar-se à Igreja, como sujeitos, agentes e essenciais à diversidade que compõe o corpo de Cristo."

Segundo o último levantamento, tais igrejas já abrigam cerca de 10 mil pessoas no Brasil. As denominações inclusivas dominam o eixo Rio/São Paulo, mas já estão presentes nas principais capitais brasileiras e algumas importantes cidades como Londrina.

Hoje, estamos vivendo um tempo em que os direitos dessa comunidade têm sido combatidos com muita veemência no âmbito político. A motivação de tal combate é religiosa e nada tem a ver com o bem-estar comum. Assistimos à tentativa da CDHM de sustar parte da resolução do Conselho Federal de Psicologia, que proíbe terapias de reorientação sexual por parte dos psicólogos. A última aprovação dessa comissão (de maioria cristã) foi o projeto que pode vetar a entrada de LGBTs nos templos, caso seja esse o desejo do líder religioso. Tais acontecimentos são provas incontestes de que a laicidade do Estado tem sido ameaçada.

       Tanto o reconhecimento da união estável (pelo Supremo) como a resolução do casamento igualitário (CNJ) não vieram da esfera legislativa, mas da esfera judiciária. Tudo isso evidencia que há um entrave na esfera política para se resguardar os direitos dos LGBTs. Infelizmente, as bancadas religiosas, tanto na Câmara quanto no Senado, têm contribuído para perpetuar a discriminação e a exclusão da comunidade LGBT.  São políticos que ainda não compreenderam que a laicidade do Estado é constitucional e este deve garantir a isonomia de direitos. As convicções religiosas, quaisquer que sejam, devem ser respeitadas, mas não devem estar acima dos direitos humanos. O verdadeiro Cristianismo não oprime, não boicota ou impede a extensão de direitos, antes, trata a todos com igualdade.  
         Ao Estado cabe a proteção dos cidadãos e das entidades sociais, como a igreja e outras. À igreja e demais entidades religiosas cabe respeitar a diversidade, mesmo aquela contrária às suas convicções de fé. O que a comunidade LGBT reclama não é sua aceitação por parte da igreja, apenas o respeito às suas demandas; não clama por privilégios, mas por igualdade de direitos. Está havendo uma grande confusão: estender direitos a uma minoria tem sido visto como dar privilégios a quem não faz jus. Uma coisa deve ficar muito clara nessa discussão: estender direitos a uma minoria não é tirá-los de uma maioria, mas cumprir o princípio constitucional da isonomia.  
         Utilizando a Bíblia, cristãos justificavam o preconceito e a discriminação. Não é a primeira vez que a igreja interfere em questões políticas, promovendo a discriminação e a exclusão: foi assim com os negros, com as mulheres, com os canhotos, dentre outros grupos mais vulneráveis.   
         A relação entre Igreja e Estado, ao menos nesse aspecto, não tem sido positiva, pois ameaça direitos constitucionais.
         A criminalização da homofobia é urgente em nosso país, considerado um dos países mais homofóbicos do mundo. Entretanto, a proteção que deveria nascer do Estado tem sido combatida em nome de uma fé que ainda não aprendeu o verdadeiro sentido do amor ao próximo.
         Em nome de uma pretensa liberdade de expressão tem-se aberto precedentes para discriminar e excluir pessoas. Os fundamentalistas religiosos têm lutado para confundir a opinião pública, justificadas pela constitucional liberdade de expressão. Entretanto, tal liberdade acaba tornando-se discriminação, pois fere 4 princípios constitucionais:

1) O princípio da dignidade da pessoa humana: (Artigo 1°, III) a liberdade de expressão não pode ser invocada com o intuito de ferir a dignidade ou subtrair a dignidade dos cidadãos;
2) O princípio da cidadania (Artigo 1°, II);
3) O princípio da vedação ao preconceito (Artigo 3°, IV)
4) O princípio da igualdade (Artigo 5°, caput).

Concluindo: a relação entre Igreja e Estado só será saudável quando os princípios constitucionais da dignidade, da cidadania e da isonomia forem respeitados e pleiteados por ambos."

Pastor Alexandre Feitosa 

2 comentários:

  1. Texto bastante claro e esclarecedor. Bom trabalho, Pr. Alexandre!

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    1. Obrigado, Jon! Seja sempre bem-vindo ao nosso Blog!

      Abraços fraternos!

      Pr. Alexandre Feitosa

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