Como
em toda a Bíblia, os escritores sacros não procuraram dar ênfase a outros povos
e culturas. A identidade judaica é a principal marca cultural presente na
Bíblia. O que extraímos de costumes e práticas de outras culturas e povos é conseguido graças a estudos comparativos, históricos e linguísticos. O presente artigo não pretende ser conclusivo, mas reflexivo. O caso
do centurião de Cafarnaum pode ser o único registro bíblico entre Jesus e um
homossexual. Episódio que mereceu menção nos Evangelhos em virtude da grande
fé do militar romano. O texto foi extraído de nosso primeiro livro “Bíblia e
Homossexualidade: verdade e mitos”. Boa leitura!
O Centurião[1]
de Cafarnaum
Por Alexandre Feitosa
Outro relato dos Evangelhos bastante revelador é o
episódio envolvendo Jesus e um centurião romano da cidade de Cafarnaum. O
milagre da cura do servo do centurião encontra-se narrado por Mateus, Lucas e
João. Cada um dos evangelistas narra a história com diferentes nuances, cada
uma delas com detalhes bastante reveladores e complementares.
No relato de Mateus (8.5-13), o comandante romano
referiu-se a seu escravo empregando a palavra grega pais. Esse é um termo
bastante intrigante quanto ao seu sentido. A palavra grega pais tem vários significados: criança (Mateus 21.15), menino
(Mateus 17.18) e servo (Mateus 8.6). Neste último caso, embora em um sentido
pouco comum, pode ser traduzida e interpretada como um escravo jovem cujo
proprietário mantém para favores sexuais. O termo pederastia[2]
deriva do mesmo radical (paiderastia).
As várias traduções suprimiram as possíveis conotações sexuais do termo
utilizando as expressões “meu servo”, “meu empregado”. A versão ARA utilizou
uma expressão um tanto curiosa: “meu rapaz” (v.8). Tais relações com conotações
sexuais eram bastante comuns no Império Romano e, embora condenadas pela
tradição judaico-cristã, a sociedade romana as tolerava. É fato que havia um
componente abusivo em tais relações (vide
nota sobre pederastia), mas este não parece ser o caso do centurião, já que
Lucas acrescenta que o servo lhe era muito querido (Lucas 7.2), o que explica o
esforço do comandante em buscar a ajuda de Jesus. Lucas também utilizou a
palavra entimos, termo que denota,
também, afetividade e intimidade. O fato de o centurião não se ter ausentado de
casa durante a doença do servo (Lucas 7.6) também reforça a possível relação
afetiva entre eles, pois tal gesto sugere cuidado e proteção.
O relato de Lucas se refere ao servo como doulos, termo mais específico que
significa servo, porém sem uma conotação de escravidão[3].
Tal acepção reforça o conceito de que não se tratava de um escravo comum. O
texto de João o coloca como filho do comandante, o que reforça os laços
afetivos entre eles, já que um filho desfruta de tratamento e consideração
superior à relação senhor/servo (João 4.46). Porém, é improvável que se trate
de um filho, pois o termo doulos
usado por Lucas descarta tal interpretação.
Lucas também afirma que ele havia construído uma sinagoga
(7.5b), portanto o centurião era um homem rico e poderia substituir facilmente
o servo a qualquer momento, bastaria comprar outro. As motivações do centurião
são, antes, afetivas ou, mais provavelmente, homoafetivas. O mesmo texto indica
que, possivelmente, era um homem temente a Deus, porque, além de construir a
sinagoga, Lucas acrescenta que ele amava a nação de Israel (7.5a). Jesus
conhecia o coração e a vida íntima daquele homem, entretanto, ele não condena
sua relação, antes, elogia sua fé, curando seu servo. É interessante mencionar,
como já vimos, que Jesus contrariou muitos preceitos da tradição religiosa e
cultural judaica, quebrando paradigmas e revelando uma nova realidade para seus
seguidores.
[1] Comandante militar cuja função era liderar uma centúria,
ou seja, um grupo de cem homens. O centurião ocupava o terceiro lugar na
hierarquia militar romana. (NA)
[2] A pederastia era um fenômeno cultural da antiga Grécia,
com finalidade didático-pedagógica, consistindo em uma relação entre um homem
mais velho (no grego erastes) e um
jovem adolescente (eromenos). As
famílias menos abastadas entregavam seus filhos aos cuidados do erastes, cuja função era a de ensinar ao
jovem rapaz valores ligados à masculinidade e às funções do homem na cultura
grega. Era comum, como parte dessa relação mestre/aprendiz, a prática da
relação homogenital em que o jovem adolescente desempenhava um papel passivo e
seu tutor, um papel ativo. Quando o jovem ultrapassava a adolescência, cuja
marca era o nascimento de barba, a relação pederástica cessava. A cultura
romana, entretanto, não absorveu tal costume, antes, muitos homens cultivaram o
hábito do abuso sexual a jovens escravos. Essa prática abusiva ainda encontra
suas raízes na antiga tradição da supremacia masculina do papel ativo, não
sendo admitidas tais relações entre homens da mesma camada social, em virtude
da noção de superioridade e inferioridade implícita nessas práticas. (NA)
Olá Alexandre, sei que és temente a esse Deus no qual eu tbm creio. Não conhecia seus "publicados", mas passei a conhecer pelo fato de começar a buscar a entender o motivo de minha sexualidade. È com certeza uma leitura rica de cultura e conhecimento de uma realidade a qual a bíblia não detalha. Queria deixar aqui meus cumprimentos e salves a vossa persona. Entretanto, se não for pedir muito, gostaria de ter algum contato ctg afim de eu tirar algumas duvidas que ainda me perseguem e oprimem meu pensamento. desde já agradecido.
ResponderExcluirrelato fiel! e acredito que de compreensão universal, deixa claro para todos os fins que não temos porquê deixar de dar auxílio a alguém pela natureza de suas escolhas.
ResponderExcluirEu chorei muito lendo esse texto, muito obrigada!! Não sou homossexual mas foi lindo saber que jesus é como eu imaginava!! lindooooo
ResponderExcluirConcordo que nosso papel é orar e ajudar a todos independente de opção sexual, religião, raça, etc. Porém, considerando todo o contexto de toda a bíblia sagrada, eu não acredito que o centurião era homossexual e que mantinha um escravo sexual. Notem, ele tinha laços estreitos com o judaísmo, a exemplo de Cornélio, provavelmente era também um prosélito. Então não creio que os religiosos judeus da época admitiriam tal situação que é condenada em todos os escritos sagrados, tanto no velho como no novo testamento.
ResponderExcluirmuito bem....gostei de sua resposta
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