Falar de Patrícia Gavarrão é algo que nos traz muita alegria! Tivemos a satisfação de conhecê-la em janeiro de 2012 em nossa primeira visita à Comunidade Cristã Plenitude e Graça (hoje denominada Igreja Apostólica Novo Templo), em Campo Grande, Rio de Janeiro. De imediato, houve uma grande empatia entre nós pois sempre tive o desejo de entender melhor o universo das pessoas transexuais e sua relação com as igrejas inclusivas. Desde então, Patrícia tem sido uma daquelas pessoas que guardamos em nosso coração com muito carinho e apreço, sendo uma das motivações para a produção do nosso terceiro livro, "A Igreja Trans".
Patrícia é travesti, tem 33 anos e nasceu em São
João de Meriti, estado do Rio de Janeiro. É membro e obreira da Igreja Apostólica Novo Templo, pastoreada por Willimar Melo. Gavarrão atua exemplarmente em vários ministérios. Selecionamos alguns trechos da entrevista concedida para o livro mencionado.
Pastor Alexandre Feitosa
1) Como
se descobriu transgênero? Quando e como aconteceu a mudança?
Na verdade, desde
criança eu me sentia feminina, me sentia menina, e isso gerava certa confusão
em minha mente. Meus pais eram muito tradicionais. Meu desejo era brincar de
boneca, de “casinha”. Minhas atitudes femininas os incomodavam e entristeciam.
Ao ver a tristeza dos meus pais, também me sentia triste. Muitas das vezes, as
pessoas perguntavam se eu era menino ou menina, porque era muito calado,
educadinho, na minha, muito trancado em casa.
Aos 12/13 anos, comecei a sair mais e numa das saídas, à
casa de colegas de escola, conheci a mãe de uma amiga que era enfermeira e ela
me ofereceu hormônios femininos através de injeções e comprimidos, tudo para
obter um corpo mais feminino, criar seios, mudar a voz, não criar ou crescer
pelos. [...]
2)
Chegou a prostituir-se? Como tudo aconteceu?
Cheguei a me prostituir, sim. [...] Numa noite, fui a uma
boate em Sepetiba. Estava muito deprimida e triste. Ali, uma travesti me disse
que sabia tudo o que eu estava passando e que eu era uma mina de ouro. Ela me disse
que tinha um ponto de prostituição no Centro do Rio e que eu poderia ganhar
muito dinheiro. Disse a ela que tinha muito medo por saber de histórias
violentas em locais de prostituição, mas ela me garantiu que, se eu desse a ela
50 reais por semana, eu estaria protegida e nada me aconteceria. Falei a ela
que iria tentar apesar de estar com muito medo. Fui para a casa dela na Rua
Augusto Severo, famoso local de prostituição para travestis próximo à Lapa,
Centro do Rio. Ali fiz meu primeiro programa. Era um local horrível,
assustador. Entrei no quarto e comecei a tremer e chorar. Disse para o cliente
que era a primeira vez e que não sabia como agir. O relacionamento sexual
começou e eu me sentia suja. Nesse dia, foi o único programa que consegui fazer.
No segundo dia, eu sacudi! Ganhei muito dinheiro. Na época, em torno de 800
reais. Fiquei louca, meu olho cresceu, porque como manicure nem em meses
ganharia isso. Nessa época, também conheci a droga, pois atendia clientes
drogados que me ofereciam até mais para que eu me drogasse também. Eu vivia
triste. Quando ia me arrumar para os programas, chorava muito, pois havia um
vazio muito grande dentro de mim. Bebia, me drogava, levava vários homens para
minha casa. Alguns me roubavam e iam embora. Eu ficava em casa, triste,
chorando. Mas mesmo assim, continuava na prostituição, pois não conhecia Deus.
Foi a pior fase da minha vida.
3) Como conheceu a Igreja Inclusiva?
O que mudou em sua vida?
Eu já ouvia falar de igreja inclusiva através de programa de
TV, mas, apesar de já ter ido e conhecido igrejas evangélicas, não me sentia
bem, porque quando chegava lá, o papo era sempre o mesmo: mudar, botar roupa de
homem, porque aquilo era espirito maligno. Foi quando dois amigos, Fabinho e
Diego (casados) me disseram que havia uma Igreja em Campo Grande (bairro da
zona oeste do Rio de Janeiro) que aceitava a todos. Primeiro, perguntei a eles
se essa igreja aceitava travestis e eles disseram que não havia nenhuma lá
ainda, mas que aceitaria sim, sem problemas. Pronto, fomos então! Fui como uma
saia jeans do tamanho de um palmo, um
casaco e um chinelo. Ao chegar, recebi um abraço de um membro do Ministério de
Recepção, Diogo, tão carinhoso, tão amável! Como poderia se ele nem me
conhecia? Aquilo que já me quebrantou de imediato. Depois, ouvi a pregação do
Pr. Reginaldo Tupinambá e o meu coração batia muito forte. Eu chorava muito. O
Pastor Reginaldo, ao receber visitantes, perguntava seus nomes. Eu, bem tímida,
para não perceberem que eu era travesti, “miei” bem baixinho e disse: Patrícia!
O Pastor falou bem alto: Patrícia! E que eu era bem-vinda à casa de Deus.
Desci, ao fim do culto, e fui para o carro dos meus amigos e falei que nunca
tinha sentido aquilo na minha vida e o Diego já me dizia que aquilo era o toque/mover
do Espírito Santo em minha vida e eu dizia que estava ali para me entregar para
o que Ele quisesse. A partir daí, comecei a ir a todos os cultos.
4) Qual a importância da Igreja hoje
em sua vida?
Muito grande! Hoje sinto a paz que antes não sentia (choro!).
Tenho uma alegria, uma tranquilidade que antes eu não tinha. Tenho um coração
cheio de amor e com vontade de me dedicar totalmente a Deus. Largar tudo aquilo
fez com que me aproximasse mais da minha família para dizer que eu sou uma pessoa
evangélica, que o Espírito Santo habita dentro de mim, que o Senhor habita em
mim, que a misericórdia de Deus enche a minha vida e que eu sinto isso em todos
os momentos. Ouço rádio evangélica, ouço as histórias bíblicas no ônibus... Choro
muito por saber que estou no caminho certo, que estou agradando a Deus e
sentindo o seu fluir na minha vida. Sou diferente do que eu era. Muitas pessoas
falam para mim que eu mudei e que eu sou diferente hoje. Danço na Igreja, faço
faxina junto de outros irmãos. No feriado de 1º de maio, fui até Nilópolis, na
baixada fluminense, para ajudar na limpeza para a inauguração da nova igreja a
qual pertenço. No carnaval, fui ao meu primeiro retiro espiritual, onde
participei de todos os estudos. Pude receber entendimento e alimento
espiritual. Foi o melhor carnaval da minha vida. Nunca imaginaria que seria tão
bom! [...]
5) Após anos convivendo com outras
travestis, por que acredita ser tão difícil conquistá-las para Cristo?
Porque sofreram muito na vida para ser o que elas são. Elas
têm o coração tão empedrado, tão machucado, que não acreditam que Deus pode
mudar a vida delas. A ganância também fala muito alto, além do preconceito,
porque acreditam que os gays não gostam de travestis. Aí, elas acham que nem na
Igreja inclusiva vão ser aceitas.
6) Como sua família reagiu e reage
hoje à sua vida?
Quando meu pai e meu irmão souberam, ficaram surpresos e
muito felizes. O meu pai fala para Deus e todo mundo que seu filho é evangélico
e travesti. Meu irmão me chama de abençoado, por saber de minha história toda e
por eu ser agora transformada, cheia de Deus. Meu pai às vezes me liga. Ele
coloca louvores para eu ouvir pelo telefone e aí, quando ele tira, eu completo,
e ele fica muito feliz por saber que eu sei completar o louvor todo. Eles ainda
não vieram conhecer a minha Igreja, só minha madrinha, que é espirita. Ela chorava
muito me vendo dançar, mas creio que Deus vai me exaltar no seu altar, trazendo
meu pai e meu irmão aqui na Igreja.
7) Que palavra você daria para as
travestis que não conhecem o Evangelho?
Diria para darem uma chance de conhecer o que realmente Deus
é capaz de fazer em nossas vidas. Creio que um dia Deus vai me capacitar ao
ponto de fazer uma loucura para Ele: chegar até elas e dar todo o meu
testemunho! Dizer a elas tudo o que Deus fez e ainda faz na minha vida e elas conhecerão
o grande e poderoso amor de Deus, que é uma coisa inexplicável, uma coisa
maravilhosa de se sentir. Oro muito por elas. Já levei Renata, uma amiga
travesti, e ela está em outra Igreja inclusiva do Rio de Janeiro até hoje. [...]
Se um dia eu não tivesse dado ouvidos ao convite dos meus
amigos Fabio e Diego e não tivesse dado essa oportunidade para mim, hoje não
poderia estar aqui renovada, cheia de Deus, abençoada e sendo canal de benção
para outras vidas. Hoje sou parte do Reino de Deus.
Deus é vida, Deus é vida edificada, restaurada, modificada.
Viver para Deus é morrer para o passado e viver um novo totalmente esplêndido,
maravilhoso. Viver para Deus é sentir um amor nunca antes sentido, é sentir
paz, a paz de Cristo e ter a certeza de que, quando Ele voltar, estarei ao lado
d´Ele, adorando e exaltando o Seu poder e toda a maravilha que fez em minha
vida.
Que benção ver quanto Deus é poder e graça para resgantar a vida da irmã Patrícia!!! Sabe algo que achei muito digno da parte de Jesus é o respeito em relação à sua identidade de gênero. Que o Senhor continue a boa obra na sua vida, com certeza Ele a usará para alcançar suas semelhantes que ainda estão precisando de ajuda. Uma benção o testemunho!!!
ResponderExcluir