quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Entrevista: Patrícia Gavarrão


Falar de Patrícia Gavarrão é algo que nos traz muita alegria! Tivemos a satisfação de conhecê-la em janeiro de 2012 em nossa primeira visita à Comunidade Cristã Plenitude e Graça (hoje denominada Igreja Apostólica Novo Templo), em Campo Grande, Rio de Janeiro. De imediato, houve uma grande empatia entre nós pois sempre tive o desejo de entender melhor o universo das pessoas transexuais e sua relação com as igrejas inclusivas. Desde então, Patrícia tem sido uma daquelas pessoas que guardamos em nosso coração com muito carinho e apreço, sendo uma das motivações para a produção do nosso terceiro livro, "A Igreja Trans". 
Patrícia é travesti, tem 33 anos e nasceu em São João de Meriti, estado do Rio de Janeiro. É membro e obreira da Igreja Apostólica Novo Templo, pastoreada por Willimar Melo. Gavarrão atua exemplarmente em vários ministérios. Selecionamos alguns trechos da entrevista concedida para o livro mencionado.
Pastor Alexandre Feitosa

1)   Como se descobriu transgênero? Quando e como aconteceu a mudança?
 Na verdade, desde criança eu me sentia feminina, me sentia menina, e isso gerava certa confusão em minha mente. Meus pais eram muito tradicionais. Meu desejo era brincar de boneca, de “casinha”. Minhas atitudes femininas os incomodavam e entristeciam. Ao ver a tristeza dos meus pais, também me sentia triste. Muitas das vezes, as pessoas perguntavam se eu era menino ou menina, porque era muito calado, educadinho, na minha, muito trancado em casa.
Aos 12/13 anos, comecei a sair mais e numa das saídas, à casa de colegas de escola, conheci a mãe de uma amiga que era enfermeira e ela me ofereceu hormônios femininos através de injeções e comprimidos, tudo para obter um corpo mais feminino, criar seios, mudar a voz, não criar ou crescer pelos. [...]



2)  Chegou a prostituir-se? Como tudo aconteceu?
Cheguei a me prostituir, sim. [...] Numa noite, fui a uma boate em Sepetiba. Estava muito deprimida e triste. Ali, uma travesti me disse que sabia tudo o que eu estava passando e que eu era uma mina de ouro. Ela me disse que tinha um ponto de prostituição no Centro do Rio e que eu poderia ganhar muito dinheiro. Disse a ela que tinha muito medo por saber de histórias violentas em locais de prostituição, mas ela me garantiu que, se eu desse a ela 50 reais por semana, eu estaria protegida e nada me aconteceria. Falei a ela que iria tentar apesar de estar com muito medo. Fui para a casa dela na Rua Augusto Severo, famoso local de prostituição para travestis próximo à Lapa, Centro do Rio. Ali fiz meu primeiro programa. Era um local horrível, assustador. Entrei no quarto e comecei a tremer e chorar. Disse para o cliente que era a primeira vez e que não sabia como agir. O relacionamento sexual começou e eu me sentia suja. Nesse dia, foi o único programa que consegui fazer. No segundo dia, eu sacudi! Ganhei muito dinheiro. Na época, em torno de 800 reais. Fiquei louca, meu olho cresceu, porque como manicure nem em meses ganharia isso. Nessa época, também conheci a droga, pois atendia clientes drogados que me ofereciam até mais para que eu me drogasse também. Eu vivia triste. Quando ia me arrumar para os programas, chorava muito, pois havia um vazio muito grande dentro de mim. Bebia, me drogava, levava vários homens para minha casa. Alguns me roubavam e iam embora. Eu ficava em casa, triste, chorando. Mas mesmo assim, continuava na prostituição, pois não conhecia Deus. Foi a pior fase da minha vida.

3) Como conheceu a Igreja Inclusiva? O que mudou em sua vida?
Eu já ouvia falar de igreja inclusiva através de programa de TV, mas, apesar de já ter ido e conhecido igrejas evangélicas, não me sentia bem, porque quando chegava lá, o papo era sempre o mesmo: mudar, botar roupa de homem, porque aquilo era espirito maligno. Foi quando dois amigos, Fabinho e Diego (casados) me disseram que havia uma Igreja em Campo Grande (bairro da zona oeste do Rio de Janeiro) que aceitava a todos. Primeiro, perguntei a eles se essa igreja aceitava travestis e eles disseram que não havia nenhuma lá ainda, mas que aceitaria sim, sem problemas. Pronto, fomos então! Fui como uma saia jeans do tamanho de um palmo, um casaco e um chinelo. Ao chegar, recebi um abraço de um membro do Ministério de Recepção, Diogo, tão carinhoso, tão amável! Como poderia se ele nem me conhecia? Aquilo que já me quebrantou de imediato. Depois, ouvi a pregação do Pr. Reginaldo Tupinambá e o meu coração batia muito forte. Eu chorava muito. O Pastor Reginaldo, ao receber visitantes, perguntava seus nomes. Eu, bem tímida, para não perceberem que eu era travesti, “miei” bem baixinho e disse: Patrícia! O Pastor falou bem alto: Patrícia! E que eu era bem-vinda à casa de Deus. Desci, ao fim do culto, e fui para o carro dos meus amigos e falei que nunca tinha sentido aquilo na minha vida e o Diego já me dizia que aquilo era o toque/mover do Espírito Santo em minha vida e eu dizia que estava ali para me entregar para o que Ele quisesse. A partir daí, comecei a ir a todos os cultos.

4) Qual a importância da Igreja hoje em sua vida?
Muito grande! Hoje sinto a paz que antes não sentia (choro!). Tenho uma alegria, uma tranquilidade que antes eu não tinha. Tenho um coração cheio de amor e com vontade de me dedicar totalmente a Deus. Largar tudo aquilo fez com que me aproximasse mais da minha família para dizer que eu sou uma pessoa evangélica, que o Espírito Santo habita dentro de mim, que o Senhor habita em mim, que a misericórdia de Deus enche a minha vida e que eu sinto isso em todos os momentos. Ouço rádio evangélica, ouço as histórias bíblicas no ônibus... Choro muito por saber que estou no caminho certo, que estou agradando a Deus e sentindo o seu fluir na minha vida. Sou diferente do que eu era. Muitas pessoas falam para mim que eu mudei e que eu sou diferente hoje. Danço na Igreja, faço faxina junto de outros irmãos. No feriado de 1º de maio, fui até Nilópolis, na baixada fluminense, para ajudar na limpeza para a inauguração da nova igreja a qual pertenço. No carnaval, fui ao meu primeiro retiro espiritual, onde participei de todos os estudos. Pude receber entendimento e alimento espiritual. Foi o melhor carnaval da minha vida. Nunca imaginaria que seria tão bom! [...]

5) Após anos convivendo com outras travestis, por que acredita ser tão difícil conquistá-las para Cristo?
Porque sofreram muito na vida para ser o que elas são. Elas têm o coração tão empedrado, tão machucado, que não acreditam que Deus pode mudar a vida delas. A ganância também fala muito alto, além do preconceito, porque acreditam que os gays não gostam de travestis. Aí, elas acham que nem na Igreja inclusiva vão ser aceitas.

6) Como sua família reagiu e reage hoje à sua vida?
Quando meu pai e meu irmão souberam, ficaram surpresos e muito felizes. O meu pai fala para Deus e todo mundo que seu filho é evangélico e travesti. Meu irmão me chama de abençoado, por saber de minha história toda e por eu ser agora transformada, cheia de Deus. Meu pai às vezes me liga. Ele coloca louvores para eu ouvir pelo telefone e aí, quando ele tira, eu completo, e ele fica muito feliz por saber que eu sei completar o louvor todo. Eles ainda não vieram conhecer a minha Igreja, só minha madrinha, que é espirita. Ela chorava muito me vendo dançar, mas creio que Deus vai me exaltar no seu altar, trazendo meu pai e meu irmão aqui na Igreja.

7) Que palavra você daria para as travestis que não conhecem o Evangelho?
Diria para darem uma chance de conhecer o que realmente Deus é capaz de fazer em nossas vidas. Creio que um dia Deus vai me capacitar ao ponto de fazer uma loucura para Ele: chegar até elas e dar todo o meu testemunho! Dizer a elas tudo o que Deus fez e ainda faz na minha vida e elas conhecerão o grande e poderoso amor de Deus, que é uma coisa inexplicável, uma coisa maravilhosa de se sentir. Oro muito por elas. Já levei Renata, uma amiga travesti, e ela está em outra Igreja inclusiva do Rio de Janeiro até hoje. [...]
Se um dia eu não tivesse dado ouvidos ao convite dos meus amigos Fabio e Diego e não tivesse dado essa oportunidade para mim, hoje não poderia estar aqui renovada, cheia de Deus, abençoada e sendo canal de benção para outras vidas. Hoje sou parte do Reino de Deus.
Deus é vida, Deus é vida edificada, restaurada, modificada. Viver para Deus é morrer para o passado e viver um novo totalmente esplêndido, maravilhoso. Viver para Deus é sentir um amor nunca antes sentido, é sentir paz, a paz de Cristo e ter a certeza de que, quando Ele voltar, estarei ao lado d´Ele, adorando e exaltando o Seu poder e toda a maravilha que fez em minha vida.

Leia a entrevista na íntegra! Adquira "A Igreja Trans", clicando na imagem abaixo:



Um comentário:

  1. Que benção ver quanto Deus é poder e graça para resgantar a vida da irmã Patrícia!!! Sabe algo que achei muito digno da parte de Jesus é o respeito em relação à sua identidade de gênero. Que o Senhor continue a boa obra na sua vida, com certeza Ele a usará para alcançar suas semelhantes que ainda estão precisando de ajuda. Uma benção o testemunho!!!

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